segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

SUTRAS DE PATANJALI



Seleção e comentários (de grandes autores) à múltiplas traduções/ interpretações de aforismos selecionados do Livro I (Samāadhi Pāadh) Sutras de Patanjali

Livro I - Sobre a Concentração

1. Agora iniciamos a exposição do Yoga./
O ensinamento do Yoga (domínio - união/jugo)


2. Yoga é a restrição das modificações da mente./
A supressão da instabilidade da consciência


3. Então o Observador permanece nele mesmo./
Conscientiza-se de sua própria identidade./
O contemplador repousa em sua própria natureza.


4. Em outros momentos, o Observador parece assumir a forma da modificação mental. / Caso contrário - se identifica com a instabilidade

Comentário: A estabilidade do ritmo respiratório é a calma, os estado alfa no eeg subjetivamente percebido como tranquilidade, serenidade. A calma é o domínio do tempo, sem pressa, planos, sem recordações ativas, é conseguir permanecer no aqui agora em paz. Seu oposto em graus crescentes: ansiedade, agitação psicomotora, convulsão(?). Contudo imaginar uma configuração de organização bioelétrica - cerebral é sempre uma limitação (um exercício de imaginação) mas, algumas vezes, útil estratégia terapêutica.

5. Elas (as modificações) Têm cinco variedades, das quais algumas são 'Klista' e o resto 'Aklista'. / dolorosos e não dolorosos.

6. (São elas) Pramana, Viparyaya, Vikalpa, sono (sem sonhos) e recordação./
Conhecimento correto, conhecimento equivocado, conhecimento baseado na imaginação, no sono e na memória.


7. (Destas) Percepção, inferência e testemunho (comunicação verbal) constituem as Pramanas. / O conhecimento correto é obtido pela percepção, pela dedução e pelos relatos de reconhecida autoridade.

Comentários:
Sobre o perceber e deduzir:
Um cientista, seja teórico ou experimental, formula enunciados ou sistemas de enunciados e verifica-os um a um. No campo das ciências empíricas (que caracterizam-se por empregarem os métodos indutivos), para particularizar, ele formula hipóteses ou sistemas de teorias, e submete-os a teste, confrontando-os com a experiência através de recursos de observação e experimentação. (Karl Popper. Colocação de alguns problemas fundamentais)

Sobre os relatos de reconhecida autoridade:
...uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma.... esta ...ao adquirir um paradigma, adquire igualmente um critério para a escolha de problemas que, enquanto o paradigma for aceito, poderemos considerar como dotados de uma solução possível. Numa larga medida, esses são os únicos problemas que a comunidade admitirá como científicos ou encorajará seus membros a resolver... (Thomas Kuhn. Estrutura das revoluções científicas)

O universo simbólico é concebido como a matriz de todos os significados socialmente objetivados e subjetivamente reais. (intersubjetivamente?)... O universo simbólico é evidentemente construído por meio de objetivações sociais. No entanto sua capacidade de atribuição de significações excede de muito o domínio da vida social, de modo que o indivíduo pode “localizar-se” nele mesmo em suas mais solitárias experiências. (Peter I. Berger e Thomas Luckmann. A construção social da realidade)

8. Viparyaya ou ilusão é o conhecimento falso formado a partir de um objeto como se ele fosse outro. / O conhecimento equivocado se baseia na aparência e não na natureza real

Comentário:A ilusão ou conhecimento equivocado distingue-se da alucinação (percepção sem objeto). Corresponde à percepção distorcida ou ilusões de óptica (por extensão dos demais sentidos). Segundo Gregory, R, L. (Ilusões visuais) causadas principalmente por interferências emocionais, indução de movimentos oculares e/ou desorganização dos circuitos corticais correspondentes aos processos cognitivo-perceptuais ocorridos a partir da interação com as características do objeto...

9. A modificação chamada 'Vikalpa' é baseada na cognição verbal, com relação a uma coisa que não existe. (É um tipo de conhecimento útil que advém do significado da palavra mas que não tem uma realidade correspondente). /O conhecimento baseado na imaginação é causado por palavras destituídas de realidade.

Comentário:Referindo –se ao delírio está perfeito – contudo a imaginação e utilização de metáfora é um poderoso instrumento de intervenção na realidade

10. Sono sem sonho é a modificação mental produzida pela condição de inércia como o estado de vacuidade ou negação (do despertar e do adormecer). / O conhecimento baseado no sono é aquela instabilidade que se estabelece na ausência de perceptibilidade.

Comentário:O self se reconstrói cada vez, após e as experiências do sono e do coma (inconsciência) e volta ao momento inicial do sono ou coma. Contudo há experiências de sonho lúcido e relatos de vivências em estado de como e de quase -morte.

11. Recordação é a modificação mental causada pela reprodução da impressão prévia de um objeto, sem adicionar nada de outras fontes. / A memória é a não extinção das experiências passadas

Comentários:... Essas lembranças não eram simples símbolos; cada imagem visual estava ligada a sensações musculares, térmicas, etc. Podia reconstruir todos os sonhos, todos os entresonhos. Duas ou três vezes havia reconstruído um dia inteiro, não havia jamais duvidado, mas cada reconstrução havia requerido um dia inteiro.... (Borges, J. L. Funes, o Memorioso)

Há um texto de Freud (Bloco mágico) sobre a memória como reconstrução / criação - é bem nítido esse processo na psicose de Korsakof induzida pelo alcoolismo crônico - onde o pr compleenta fragmentos de memória com idéias delirantes - já encontrei demências isquêmicas assim - se não houvesse essa síntese (recriação) - caíriamos na situação que Borges imagina

33. A mente torna-se purificada pelo cultivo dos sentimentos de amizade, compaixão, boa-vontade e indiferença respectivamente a criaturas felizes, miseráveis, virtuosas ou pecaminosas. / A serenidade da consciência é obtida mediante do cultivo da amizade, compaixão, alegria e indiferença, respectivamente aos que são felizes, infelizes, bons e maus.

Comentários:...você pode fugir por aí... mas, não pode se esconder de você mesmo (Bob Marley. Running way)

Dificilmente existe em nós alguma outra coisa que tão regularmente separamos de nosso ego e a que facilmente nos opomos como justamente nossa consciência. Sinto-me inclinado a fazer algo que penso irá dar-me prazer, mas abandono-o pelo motivo de que minha consciência não o admite.

Ou ...deixei-me persuadir por uma expectativa muito grande de prazer de fazer algo a que a voz da consciência fez objeções e, após o ato, minha consciência me pune com censuras dolorosas e me faz sentir remorsos pelo ato.

Poderia dizer simplesmente que a instância especial que estou começando a diferenciar no ego é a consciência.... E desde que, reconhecendo que algo tem existência separada, lhe damos um nome que lhe seja seu, de ora em diante descreverei essa instância existente no ego como o ‘superego‘.

O papel que mais tarde é assumido pelo superego é desempenhado, no início, por um poder externo, pela autoridade dos pais. A influência dos pais governa a criança, concedendo-lhe provas de amor e ameaçando com castigos, os quais, para a criança, são sinais de perda do amor e se farão temer por essa mesma causa. Essa ansiedade realística é o precursor da ansiedade moral subseqüente. Na medida em que ela é dominante, não há necessidade de falar em superego e consciência. Apenas posteriormente é que se desenvolve a situação secundária (que todos nós com demasiada rapidez havemos de considerar como sendo a situação normal), quando a coerção externa é internalizada, e o superego assume o lugar da instância parental e observa, dirige e ameaça o ego, exatamente da mesma forma como anteriormente os pais faziam com a criança.

O superego, que assim assume o poder, a função e até mesmo os métodos da instância parental, é, porém, não simplesmente seu sucessor, mas também, realmente, seu legítimo herdeiro. (Freud, Sigmund. A dissecção da personalidade psíquica)


34. Pela expiração e restrição da respiração também (a mente é acalmada). / Ou pela expiração e retenção do prána (um constituinte do ar)

Comentário:Kriya Yoga * nada tem de comum com exercícios respiratórios anti-científicos ensinados por certos fanáticos extraviados. Tentativas de reter a respiração nos pulmões, até o exagero, são artificiais e decididamente desagradáveis. A prática de Kriya, ao contrário, é acompanhada desde o início, por sentimentos de paz e sensações suavizantes, de efeito regenerador na espinha. Essa antiga técnica iogue converte a respiração em substancia mental. O adiantamento espiritual permite ao devoto conhecer a respiração como um conceito, um ato da mente: ela é, pois, uma respiração de sonho.

Muitos exemplos poderiam ser dados da relação matemática entre a freqüência respiratória do homem e seus vários estados de consciência. Quem se absorve em estado de atenção completa, seja ao acompanhar um intrincado argumento intelectual, seja ao tentar a execução de proeza física delicada ou difícil, automaticamente respira muito devagar. Fixidez de atenção depende de respiração lenta; respiração rápida ou irregular acompanha inevitavelmente estados emotivos prejudiciais: medo, luxúria, raiva. O inquieto macaco respira em média 32 vezes por minuto, em contraste com a média humana de 18 vezes. O elefante, a tartaruga, a serpente e outros animais notáveis por sua longevidade têm freqüência respiratória inferior a do homem. A tartaruga gigante, por exemplo, pode atingir a idade de 300 anos, respira somente 4 vezes por minuto. Paramahansa Yogananda, A ciência de Kriya Yoga, p.234 – 235)

* A disciplina, o estudo de si mesmo e a entrega ao senhor constituem o Kriya Yoga / Auto-superação, auto-estudo, e auto-entrega, constituem o Kriya Yôga. (Pataljali – Livro II)


35. O desenvolvimento de percepção objetiva chamada Visayavati também traz tranqüilidade mental. / Ou, ainda, quando entram em funcionamento os sentidos superiores, atinge-se a estabilidade da mente.

36. Ou pela percepção que é livre de tristeza e é radiante (estabilidade mental também é produzida). / Ou pela lucidez que elimina todo pesar.

37. Ou (contemplando) uma mente que é livre de desejos (a mente do devoto torna-se estável). / ...alguém livre da dependência das emoções e da dependência dos objetos do sentido



A maioria dos escritores da Índia atribui uma idade de mais de 2.000 anos à obra de Pátañjali. Menciona-se o século III ou II antes de Cristo como a época em que o Yôga Sútra foi elaborado. No ocidente, porém é popular a opinião de que teria sido estruturado seiscentos ou setecentos anos depois, lá pelo século IV d.C. De Rose os p.21

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SUTRAS DE PATANJALI - Coleção dos Aforismos Yoguis
(Tradução do Apendix F do livro "Yoga Philosophy of Patanjali "- Swami
Hariharananda Aranya, Publicado por 'Calcutta Universit Press')
http://www.geocities.com/Athens/6709/page8.html

Mestre De Rose. Yôga Sutra de Pátanjali. SP, Martin Claret, Uni – Yoga, 1982

Popper, Karl. A lógica da pesquisa científica. SP, Cultrix, 1993

Kuhn, Thomas. Estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1978.

Berger, Peter I.; Luckmann Thomas. A construção social da realidade, RJ, Vozes, 1974

Gregory, R, L. Ilusões visuais in Foss, Brian. Novos horizontes da psicologia. Lisboa Uliséia (Penguin Books), 1968

Borges, J. L. Funes, o Memorioso. Jorge Luis Borges: Prosa Completa, Barcelona: Ed. Bruguera, 1979, vol. 1., pgs. 477-484 Tradução de Marco Antonio Franciotti http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/funes.htm

Freud, Sigmund. A dissecção da personalidade psíquica, Conferência XXXI. Ed Standard das obras completas v. XXII (1932-1936) , RJ Imago, 1996

Yogananda, Paramahansa. Autobiografia de um yogue contemporâneo. SP, Summus, 1976